sexta-feira, 22 de março de 2013

Cera




Cera

É nessas horas que se faz necessário escrever. Quando anoitece e você percebe que realmente, a vida não te dá chance alguma de domínio sobre sua força. E você vê que está num mundo repleto de outras vidas e outras energias, mas por dentro, só restou uma casa branca, suja e vazia, depois que os trabalhadores do caminhão de mudanças terminaram o serviço.
É chegada a hora de entregar as chaves ao senhorio.
É nessas horas que escrever se faz necessário. Quando até as palavras que você fez questão de metralhar em vão ficam sem sentido. E você olha para seu corpo, estraçalhado por tal munição e vê os corpos dilacerados por verbos mal utilizados a te atormentarem nos corredores de sua cabeça agora inútil.
Você não tem mais coração.
Sua alma é um boneco de cera nas galerias de um edifício em ruínas, as chamas de um incêndio começam a lamber-lhe os pés, que aos poucos derretem.
O que te restou foi a dor. E um velho álbum de fotografias que nem as traças, nem o mofo querem mais dividir.
Mas ainda assim lhe resta a necessidade. De tentar salvar seu velho caderno de anotações, e sua caneta de ponta ruída há décadas, na esperança que, sua negra tinta se dilua no seu resto sangue, para que seu resto eu lembre de resgatar um tempo em que lhe foram entregues as chaves em suas mãos, e com seus móveis novos, a vida parecia cantar-lhe belas e suaves canções no ouvido de sua alma.
Já chega. Entregue sua metralhadora. Apague esta droga de incêndio antes que seus cabelos queimem no vermelho quente vazio do fogo. Sim, agora tudo o que vier lhe soará triste e inútil. Mais do que nunca, é nessas horas que escrever se faz necessário.

Jalna Gordiano 21 03 13

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