Cera
É nessas horas que se faz necessário escrever. Quando
anoitece e você percebe que realmente, a vida não te dá chance alguma de
domínio sobre sua força. E você vê que está num mundo repleto de outras vidas e
outras energias, mas por dentro, só restou uma casa branca, suja e vazia,
depois que os trabalhadores do caminhão de mudanças terminaram o serviço.
É chegada a hora de entregar as chaves ao senhorio.
É nessas horas que escrever se faz necessário. Quando
até as palavras que você fez questão de metralhar em vão ficam sem sentido. E
você olha para seu corpo, estraçalhado por tal munição e vê os corpos dilacerados
por verbos mal utilizados a te atormentarem nos corredores de sua cabeça agora
inútil.
Você não tem mais coração.
Sua alma é um boneco de cera nas galerias de um
edifício em ruínas, as chamas de um incêndio começam a lamber-lhe os pés, que
aos poucos derretem.
O que te restou foi a dor. E um velho álbum de
fotografias que nem as traças, nem o mofo querem mais dividir.
Mas ainda assim lhe resta a necessidade. De tentar
salvar seu velho caderno de anotações, e sua caneta de ponta ruída há décadas,
na esperança que, sua negra tinta se dilua no seu resto sangue, para que seu
resto eu lembre de resgatar um tempo em que lhe foram entregues as chaves em
suas mãos, e com seus móveis novos, a vida parecia cantar-lhe belas e suaves
canções no ouvido de sua alma.
Já chega. Entregue sua metralhadora. Apague esta
droga de incêndio antes que seus cabelos queimem no vermelho quente vazio do
fogo. Sim, agora tudo o que vier lhe soará triste e inútil. Mais do que nunca,
é nessas horas que escrever se faz necessário.
Jalna Gordiano 21 03 13